Terça-feira, 12 de Junho de 2012
“Diário”:
Eu não sei descrever o que anda
acontecendo.
Pra começar, descobri que há outro
morador na casa que eu invadi. Na noite em que cheguei, ouvi passos no andar de
cima, e depois nas escadas.
Observei o vulto caminhar na minha
direção, e rosnei quando ele chegou perto, em posição de ataque. Mas ele me
deixou confusa.
Primeiro, porque não tinha o cheiro de
um ser humano comum, nem de um vampiro, e nem cheiro selvagem de lobo. Segundo,
porque ele não pareceu nem um pouco assustado ao me ver.
- A etiqueta manda que peçamos
permissão para entrar em casa alheias. – Começou ele, tirando um fiapo
minúsculo da blusa cinza de capuz que usava. Depois me encarou. – É o mínimo
que uma pessoa civilizada pode fazer.
Não entendi aonde ele queria chegar,
então exibi as presas, ameaçadora.
Ele franziu o cenho.
- Mocinha, em minha casa não se chega
a lugar algum com esse tipo de selvageria. Então, se não quiser ser convidada a
se retirar, sugiro que aja como gente, não como bicho. – Ele fez uma pausa. - Eu
sou Michael.
Ele deu um passo na direção da pouca
luz.
Era moreno e jovem, talvez mais novo
do que eu, e um pouco mais alto. Mas havia alguma coisa nele que fazia meu
estômago se retorcer. Como se meus instintos estivessem avisando que ele era
mais semelhante a mim do que eu poderia imaginar, mesmo não sendo um vampiro.
Então eu entendi.
Ele era um meio sangue.
Olhei para a mão de Michael, que ele
estendia na minha direção. Sem pensar no que estava fazendo, a apertei de leve.
- Stacy. – Sussurrei, já desacostumada
a me apresentar.
Ele me olhou curiosamente, andando ao
meu redor.
Eu nem respirava.
- Ora, ora... Então os mitos são
verdadeiros. Você é um dos mortos, não é?
Não respondi, e ele não esperou que eu
falasse.
- Mas olhe para você... Realmente
parece uma morta. Tem sangue seco no seu queixo, sabia? E nas suas roupas. E as
unhas estão sujas e quebradas. Não parece uma dama.
Dei de ombros.
Não me importava com a minha
aparência. Eu sabia que podia aparecer em espelhos porque no banheiro da minha
antiga cela havia um, mas eu nunca prestei muita atenção no meu reflexo. Para
que?
A menina de olhos verdes (Helena? Melena?
Não me lembro agora...) sempre me levava roupas. As que eu vestia no momento
eram dela, mas estavam sujas e a calça havia rasgado nos joelhos.
Michael pareceu ler meus pensamentos, e deu um
sorriso branco. Me perguntei como alguém tão limpo podia viver naquela casa
imunda.
- Você tem o mesmo problema da maioria
dos mortos, Stacy. São selvagens demais para se importar com algo além de
sangue.
- E algo além de sangue importa? –
Perguntei, encarando-o.
Michael riu.
- Ora, minha cara. Somos vampiros. Se
não mantivermos nossa classe, como mostraremos nosso poder?
- Eu sou uma vampira. – Respondi. –
Você não passa de um meio sangue.
Ele me encarou, sem sorrir dessa vez.
- O que te faz pensar que o fato de eu
ser um meio sangue me torna mais fraco do que você? – Disse, se aproximando.
Eu me segurei para não recuar. Não
tinha medo dele, mas meus instintos me alertavam outra vez.
Não
brinque com ele.
- Eu também bebo sangue – continuou
ele, se afastando. – E tenho instintos e reflexos. Vejo e escuto mais do que um
humano. E posso sair no sol. E a água benta não me queima. O que você tem que
eu não tenho?
Outra vez, não respondi. Eu era mais
forte que ele, mas não podia negar que sair no sol sem sentir dor era uma
grande vantagem.
Michael voltou a sorrir, observando
minha expressão.
- Suba por aquela escada. – Ordenou
ele. – Vire a esquerda e abra a segunda porta. Lá tem um quarto com banheiro.
Se lave e vista roupas limpas.
Eu queria ir. Não por estar ansiosa
para tomar um banho ou quisesse mudar de roupas, mas precisava me afastar dele
para poder pensar melhor.
- Para que tudo isso? – Perguntei.
Michael juntou as mãos diante de si.
- Você está com sorte, Stacy. Vai
aprender com o mestre. Suas aulas de etiqueta para vampiros começam agora.
***
Eu observava Michael na mesa de
pôquer, do outro lado da rua deserta, repassando mentalmente todos os conselhos
que ele me dera nos últimos dias.
O restaurante de luxo era cheio de
“vitrines”, e eu podia vê-lo circular entre as pessoas, sorrindo e
conquistando-as com poucas palavras. Ele havia substituído o moletom cinza
habitual por uma roupa mais formal e provavelmente desconfortável.
Eu usava jaqueta e calças novas, e um
sapato de salto, nada prático.
Mas ele não me deixou entrar com ele.
Disse que se eu me descontrolasse,
arruinaria tudo. Eu deveria apenas observar e aprender.
Mas aquilo tudo já estava me cansando.
Estava claro como ele enganava os
humanos ricos e sorridentes, usando suas habilidades para trapacear no jogo e
seduzi-los com palavras doces.
Mesmo assim, eu estava longe demais
para escutar o que ele dizia. Então era fácil enjoar de assistir aquilo.
Michael dizia que aquilo era caçar com classe.
Para mim, era embolação.
No fim, ele escolheria um casal para
acompanhar até o carro, onde os pegaríamos. Mas quanto tempo demoraria?
- Stacy!
Todos os meus músculos se paralisaram,
e me voltei.
Era o Caçador.
Arreganhei as presas, mas ele se
atirou na minha direção. Cheguei até a pensar que ele enterraria uma estaca no
meu peito, mas apenas me abraçou.
Aquilo era ainda mais desconfortável
que uma estaca, acho.
- Ah, Stacy... Graças a Deus! Como eu
fiquei preocupado... Achei que tinha te perdido para sempre!
A garganta dele estava perto demais
para ser ignorada.
Abri os lábios e senti o calor das
veias dele pulsando, a sede me queimando por dentro. Precisava matá-lo, e
agora. Não importava o que Michael me disse sobre ser discreta, ou se alguém
iria ver.
Encostei minha boca no pescoço dele...
Posso
sentir o coração dele bater. O desejo de posse se torna irresistível. Quero que
Ross pertença a mim e a mais ninguém.
Passo
os lábios pelo seu pescoço, ávida. As mãos dele deslizam do meu cabelo para a
minha cintura. Minha vontade de tê-lo se torna incontrolável.
...E eu não consegui mordê-lo.
Diário idiota. Por algum motivo aquele
trecho me veio a cabeça. Eu ainda não entendia o que significava a atração que
eu descrevia antes.
A única coisa do Caçador que eu
poderia desejar era o sangue, mas mesmo assim eu hesitei.
O
que há de errado agora?
Aquele momento de confusão me fez
perder a oportunidade de atacá-lo.
Ele se afastou e me encarou,
segurando-me pelos braços.
- Venha comigo. – Disse ele. Não era
exatamente um pedido. – Nada de celas dessa vez. Juro. Eu só quero que você
fique segura, ok?
Me afastei bruscamente.
- Segura? Com um caçador? Eu não
preciso de proteção. Se você imaginasse a vontade que eu estou sentindo de
matá-lo nesse exato momento...
Então a expressão dele mudou. A
atitude dele mudou, como eu nunca havia visto antes.
Ele ergueu uma sobrancelha e cruzou os
braços.
- Então, mate Stacy Ricce. Eu exijo. –
Ele piscou um olho. – Você sabe que não vai conseguir. Pode ser uma vampira
morta, até irracional. Mas quando sentir o gosto do meu sangue vai lembrar... De coisas.
Balancei a cabeça.
- Você já era.
Ele se aproximou, com ar de desafio.
- Eu duvido. – Sussurrou ele. – Toda
vez que você chegar perto de mim, Stacy, seu lado monstro vai perder para o seu
lado mulher. Você tem medo do que eu posso te fazer sentir. E eu te digo: não
tema, se entregue.
Aquele Caçador achava que podia
despertar desejos humanos em mim? Essa era boa!
Gargalhei.
- Vá circulando, Caçador. – Eu disse,
cruzando os braços. – Eu já tenho meus planos para essa noite. Não estrague.
- Sério? Eu ia te levar ao cinema. É
dia dos Namorados, Stacy.
Que papo era aquele?
Ele ia jogar charme, ao invés de me ameaçar ou insistir para que fosse com
ele? Por acaso aquele Caçador tinha a audácia de achar que eu não era de nada?
Dei as costas a ele e me dirigi para o
restaurante, abrindo a porta de vidro com um estrondo. Agarrei a primeira pessoa
que encontrei: um garçom.
Cravei meus dentes na garganta dele e
suguei com força.
Ele gritou, e o restaurante inteiro se
tornou um caos. Mas meus olhos estavam fixados no caçador, que me encarava do
outro lado da rua, com a mandíbula cerrada.
Eu senti um fio de sangue quente
escorrer pelo meu queixo, e em seguida arremessei o garçom contra a vidraça,
quebrando-a.
O corpo inerte rolou pela rua, parando
aos pés do caçador, que continuou a me encarar.
Não sei por quanto tempo ficaríamos
nos encarando, enquanto havia choro, correria e gritaria ao meu redor.
Só sei que Michael me puxou
violentamente pelo braço.
- O que você fez, sua selvagem
estúpida? Vamos sair daqui antes que eu mate você!
Ele me arrastou na direção da porta
dos fundos, e eu me deixei levar.
Afinal, foi uma ótima noite. Eu tinha
me alimentado, e deixado claro para o Caçador o que aconteceria com ele se
cruzasse meu caminho de novo.
CONTINUA
adorei o capítulo. já estava sentindo saudades de ler o diário de uma bad girl.
ResponderExcluir:) ficou bem legal
ResponderExcluiradorei, quero muito ler o próximo capitulo
ResponderExcluirleitora nova amando seu blog, é simplesmente perfeitoooo!
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