12. Amantes Demolidores
Se
passou uma semana até Helena convencer seus pais que estava bem para voltar
para a escola.
Quando
esse dia chegou, ela mal conseguiu dormir, de tanta ansiedade. Dessa vez, se
arrumou melhor.
Queria
impressionar o homem, mostrar que estava bem e confiante, que ela havia
evoluído, que não se importava mais com os babacas da escola.
Não
sabia porque aquilo era importante, mas era.
Quando
saiu para a rua, Diego estava lá.
Esperando
por ela, como nos velhos tempos.
-
O que está fazendo aqui? – Disparou, assim que o viu.
Ele
deu de ombros.
-
Te esperando para irmos juntos pra escola.
Helena
ergueu uma sobrancelha.
Ele
continuou.
-
Eu tentei te ligar esses dias, mandei mensagens no Facebook, mas você não respondeu,
então eu entendi que você queria dar um tempo. – Ele sorriu como se estivesse
orgulhoso da própria genialidade. – Achei melhor esperar, mas minha promessa ainda
será cumprida. Quando você quiser, vou vir falar com os seus pais. Ah, e eu
comprei um presente pra você. Nada de flores e ursos de pelúcia dessa vez, é um
CD da sua banda favorita...
Ele
abriu a mochila e ergueu o pacote para Helena.
-
One Direction? Sério? – Helena riu. –
Detesto esses caras, Diego.
Ele
pareceu sem graça.
-
Ah, é? Mercedes disse que vocês duas gostavam...
-
Mercedes é uma vadia burra. Não tem como eu gostar das mesmas coisas que ela. –
Helena suspirou. – Diego, nós não voltamos. Nem vamos voltar.
-
Helena... Mas eu ainda te amo.
-
E eu não. Acho que nunca amei. – Ela devolveu o CD pra ele. – Foi mal, cara. Eu
não quero te magoar. Mas agora eu percebo que o nosso relacionamento era de
fachada, sabe? Eu queria um namorado para exibir por aí.
-
Você pode continuar me usando. Eu não ligo!
Helena
balançou a cabeça.
-
Não, Diego. Chega. Não dá mais.
Ele
mordeu o lábio, guardando o CD na bolsa.
-
Não acredito que você está me dando um fora, Helena. Não depois de tudo o que
fizemos...
-
O que fizemos? Sexo, sexo e sexo. E nem era tão bom.
Diego
franziu a testa.
-
Ninguém nunca vai te amar quanto eu te amo. Você nunca mais vai encontrar
alguém como eu! – Ele lhe deu as costas.
Helena
suspirou.
-
Assim seja!
***
Dessa
vez, quase ninguém falou com ela na escola.
Helena
até agradeceu Mercedes mentalmente por isso.
A
ex-melhor-amiga-da-onça estava cumprindo suas ameaças.
Mas
Helena já não se importava com mais nada.
O
único momento que ela aguardava era a aula de química.
E
quando ele entrou na sala, ela começou a tremer.
Eram
tantas lembranças, tantas sensações tão fortes...
Por
um momento ela teve medo de desmaiar outra vez.
Mas
quando os olhos dele encontraram os dela, por alguns segundos, apenas, ela caiu
em si.
Ele
estava ali, em uma das suas atuações perfeitas, tão hipnótico que parecia cada
um dos alunos em sua teia de fingimento.
-
Hoje vamos começar nossa aula prática. Laboratório.
O
falso professor saiu e os alunos o seguiram.
Helena
notou Mercedes e outras duas meninas andando ao lado dele, abobadas.
Helena
deu um sorriso ferino.
Gostaria
de ver a cara delas se descobrissem o assassino que ele é, e as fotos de mulheres
ensanguentadas em sua parede.
Os
alunos entraram no laboratório escuro.
As
janelas haviam sido vedadas com panos pretos, e o cheiro de produtos químicos
no ar fez Helena arfar.
Não
existem lembranças mais intensas do que as despertadas por aromas.
E
Helena se lembrava exatamente o que havia acontecido da última vez em que havia
sentido aquele cheiro, em um quarto escuro...
Haviam
bandejas distribuídas pelas mesas, iluminadas pela luz de emergência vermelha.
O
assassino começou a dar as instruções.
Ele
iria ensiná-los a fazer uma revelação de fotos caseira.
Helena
se remexia, inquieta.
Havia
se sentado no fundo da sala, isolada.
Ele
começou a passar lentamente pelas bancadas, observando o trabalho dos alunos,
fazendo um comentário aqui e ali.
Helena
tremia como uma vara verde.
Ele
sempre teve muito poder sobre as emoções dela.
Porque
ela achava que aquilo um dia iria mudar?
Quando
ele finalmente chegou até ela, abriu aquele sorriso que ela não sabia se
gostava ou odiava.
-
Como vai, Helena?
A
voz dele pronunciando o nome dela...
Oh,
céus, porque era tudo tão impactante desse jeito?
Ela
o olhou.
-
Bem. – Respondeu, esperando que sua voz não falhasse. – Ótima, na verdade. O
que está fazendo aqui?
-
Dando uma aula de química.
Helena
respirou fundo, se esforçando para manter a calma.
-
Eu estou falando sério. Não deveria pensar em pisar nessa cidade de novo.
Ele
abriu ainda mais o sorriso.
-
E porque não? O interior não é tão desagradável.
Helena
aproximou o rosto do dele.
-
Uma palavra minha – sussurrou ela. – Uma palavra minha e você estará atrás das
grades.
-
Isso é uma ameaça? Porque eu não consigo me sentir ameaçado por alguém que se
preocupou em me proteger tanto.
Helena
engoliu em seco.
Então
ele sabia.
Sabia
das mentiras sobre ele que ela havia contado para os pais, a polícia e até
mesmo para a psicóloga.
-
Posso mudar de ideia.
-
Não, não pode. – Ele tocou a mão dela sobre a bancada, discretamente. – E lembre-se
do quanto eu posso fazê-la se arrepender do menor erro que cometer. Conversamos
depois.
Ele
lhe deu as costas.
E
Helena sentiu uma emoção estranha se agitar dentro dela.
Não
sentia aquilo há muito tempo.
Não
saberia dar um nome.
Mas
parecia felicidade.
***
Quando
a aula finalmente terminou, os alunos foram saindo do laboratório.
Menos
Helena.
E
Mercedes.
Helena
permaneceu no fundo da sala.
Enquanto
Mercedes se pendurava na mesa do professor.
-
Vamos dar uma festa na piscina – falava ela. -
E gostaríamos que o senhor fosse, sabe. Porque é um professor legal, e
seria uma espécie de boas-vindas...
-
Entendo. – Ele abriu um pequeno sorriso. – Ninguém vai desaparecer nessa festa,
vai?
Mercedes
lançou um olhar venenoso para Helena.
-
Não, profe. Só vamos convidar quem conseguir se cuidar, sem bancar a vítima ou
querer ser o centro das atenções.
O
homem riu.
-
Você é muito sutil, Mercedes. Mas é melhor se apressar. Ou vai se atrasar para
a próxima aula.
Ela
hesitou, mas ele insistiu.
-
Preciso falar com a Helena. Em particular.
Mercedes
saiu do laboratório, um pouco contrariada.
O
homem ascendeu as luzes e fechou a porta.
Helena
foi até ele, com o coração disparado.
-
Vamos. Pode continuar com as suas ameaças. – Sorriu ele.
-
Não. – Helena se atirou para ele, o abraçando. – Me leve daqui. Me leve com você.
Ele
continuou sorrindo.
-
Ora, não diga bobagens, Helena. Você queria tanto voltar para casa... E agora
que conseguiu, quer que eu a leve comigo de novo? Que tipo de jogo masoquista
você está fazendo consigo mesma?
Helena
fungou, se afastando.
-
Naqueles meses eu fui sua refém, sua vítima, sua amante e nem sei mais o que. –
Ela respirou fundo, tentando recuperar o fôlego e encontrar as palavras. - E
agora você me devolveu para o meu mundo, mas eu simplesmente não consigo me
encontrar mais nele. Mesmo que Diego queira voltar comigo, que meus pais
estejam juntos de novo, fui eu quem mudou. Sou eu quem não consegue mais viver
assim. Você precisa me levar com você. Vou me comportar, matar quem você
quiser. Mas me leve, por favor. Não posso continuar vivendo essa vida, não
posso!
Ele
sorriu.
-
Você tem que aprender a mentir com mais sinceridade. Não quer que eu te leve
comigo por achar que assim viverá melhor. É para fugir de você mesma. Você
descobriu que todos estão muito melhor sem você, e que tem nojo de si mesma. E
se está apaixonada por mim, é mais estúpida e idiota do que eu imaginei.
Helena
suspirou.
-
Não estou apaixonada! Eu não amo você. Amo o que você faz, e como faz. Você é
detestável, mas é deslumbrante. Não consigo evitar querer ser como você.
Ela
se atirou para a frente e o puxou pelo pescoço, louca por um beijo. Ele cedeu,
como alguém que se diverte com uma piada.
Depois
a olhou.
-
Eu simplesmente não sinto, Helena. – Começou ele, com franqueza. - Não consigo
sentir nada, nem por você, nem por ninguém no mundo. E não fico triste por
isso. Entenda, eu nunca poderia te dar o que você quer. Nunca. Mesmo assim,
apesar de tudo isso, você significa algo pra mim. Você é o meu legado. A única pessoa
que sabe tudo o que se há de saber sobre mim. – Ele assentiu, como se falasse
consigo mesmo. - Você é o meu legado.
-
O que quer dizer?
Ele
deu um longo suspiro antes de começar.
-
Não vim para cá para te levar comigo. Vim para te fazer uma proposta. Ninguém
sabe a minha história além de você. Ninguém mostrou ser leal a mim além de
você. – Ele começou a andar pela sala. – Helena, imagine só... Quando eu
morrer, toda o meu trabalho vai morrer comigo. Todas as fotografias, as
histórias daquelas mulheres, a arte... Seria um desperdício enorme. E eu não
gosto de desperdícios.
Ele
a olhou.
-
Você vai me ajudar a nunca ser esquecido. Você vai escrever minha biografia.
Minha história.
Helena
arregalou os olhos.
-
O mundo vai se ajoelhar diante de mim – ele falava, sem olhar pra ela. – O mundo
vai conhecer a arte mais cruel e linda que poderia existir. A arte a partir da
morte. Os retratos perfeitos. – Ele voltou a encará-la. – Você vai escrever
tudo. Você escreve razoavelmente bem, e é a minha melhor opção. Pode fazer isso
pra mim?
Helena
assentiu, sorrindo pela primeira vez.
-
Claro. Mas é claro que posso fazer.
Ele
se aproximou.
-
Ligue para a sua mãe. – Sussurrou, com o estranho hálito de menta e café. - Diga
que vai para a casa da Mercedes depois da aula, e me encontre no parque. No
lugar onde nos esbarramos pela primeira vez.
Helena
o observou se afastar e sair do laboratório.
Ela
ficou sozinha, ainda atormentada pelas batidas do próprio coração, se
perguntando como alguém poderia ser tão fascinante.
***
Querido Diário,
As coisas mudaram. Radicalmente.
E pela primeira vez, pra melhor.
Quase todos os dias, depois da aula,
nos encontramos em segredo, o homem e eu, para depois irmos para o apartamento
que ele alugou.
Então nos sentamos e ele começa a
falar, e eu vou anotando tudo.
Ele não quer que eu grave nada nem
que leve anotações pra casa, porque meus pais continuam me vigiando muito.
Mas vale a pena cada minuto.
São os únicos momentos da minha vida
em que eu me sinto realmente em meu lugar. Todo o tempo restante eu me sinto
uma estranha tentando viver uma vida que não pertence a mim.
Ele anda agindo como um verdadeiro
cavalheiro e às vezes nos beijamos, outras vamos para a cama. Só que o mais
empolgante é a expectativa.
Cada vez que nos beijamos, fico me
perguntando se ele vai tentar fazer algo para me ferir ou até mesmo me matar.
Sei que é loucura. Sei que é medonho.
Mas eu adoro essa relação.
O jeito que a adrenalina corre nas
minhas veias.
E as coisas que ele me conta, ah...
É como desvendar um pedacinho de um
mistério a cada dia.
Ainda não sei o nome dele, mas sei o
quanto ele é metódico, genial... Um serial killer de filme. E um artista. Um
poeta.
Na escola ele nem me olha.
Eu apenas assisto um ator perigoso em
seu papel de professor.
Mercedes parece querer entrar dentro
das calças dele, e é muito engraçado vê-lo repelir as cantadas dela, deixando-a
cada vez mais frustrada, e às vezes confusa por não entender o sarcasmo dele.
Tenho um pouco de medo do dia em que
ele se cansar e resolver ir embora, voltar para os assassinatos, sua própria
vida. E se vou consegui convencê-lo a me levar junto.
Se ele ao menos vai me avisar quando
for partir...
Eu fico imaginando o que todas as
pessoas que eu conheço diriam se soubessem que o homem que me sequestrou está
tão perto, que ele também é um assassino, que eu saio com ele por livre e espontânea
vontade, e que adoro tudo o que fazemos juntos, e o quanto eu o admiro.
E eu rio, diário.
Eu rio porque eles não irão descobrir
o meu segredo antes que seja tarde demais.
CONTINUA
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAushaushauhsuahsuahs
ResponderExcluirVivi, ri muito com o seu comentário! :D
"Até porque as outras pessoas que chegaram perto dele acabaram mortas" Rachei! kkkkk
Quanto ao fato de ser o penúltimo capítulo...
Também quase não posso acreditar.
Essa série foi bem difícil pra eu escrever. Para tentar transmitir todas as emoções conflitantes dos personagens, deixar claras as intenções... Não foi fácil.
Mas é irreal vê-la tão próxima do fim.
Só espero que o final não decepcione ninguém :P
Abraços ;)
Agora que eu vi que meu comentário anterior não foi publicado. :( Então vamos lá vamos nós de novo:
ResponderExcluirEu estou tão curiosa para ler o final de tudo isso :3 Gosto tanto dessa série, mas não posso negar que estou louca para começar a ler a próxima :D
Carla, eu estou amando escrever a nova série...
ResponderExcluirEmbora eu vá senti falta de "O Romance Químico" também.
Quanto a isso do comentário não ser enviado, você não é a primeira com quem isso acontece, e eu não entendo o que se passa.
:P
Talvez tenha haver com o fato de eu ter editado o HTML do blog pra poder adicionar os comentários por Facebook. O.o
Isso que dar a pessoa que não manja querer fuçar nas coisas XD
Até mais!